domingo, 4 de março de 2012

A circulação sanguínea humana: um relato histórico


Os egípcios, os gregos e os romanos acreditavam que se os seres humanos possuíam uma alma, ela residia na massa avermelhada que pulsava incessantemente dentro do peito, mas nunca se preocuparam em descobrir o porquê das batidas, embora reconhecessem que quando elas paravam, a vida parava - e a alma que residia no coração pulsante desaparecia.

Pelo fato de que quando o indivíduo falece, o sangue das artérias vai todo para as veias; eles, ao estudar os cadáveres, achavam que nas artérias continha apenas ar. Não sabiam exatamente como o sangue entrava no coração, como passava do ventrículo direito para o esquerdo, nem para onde ia ao deixar o coração.

Em meados do século II, Galeno fez uma descoberta revolucionária: o lado direito (ou ventrículo direito) do coração recebia sangue de grandes veias que se esvaziavam nele, e que esse sangue era ejetado do ventrículo direito aos pulmões pela artéria pulmonar, bem como que os pulmões drenavam esse sangue para o lado esquerdo do coração, que por sua vez bombeava para a aorta.

Ele identificou o coração como uma bomba que fazia circular o sangue do ventrículo direito para os pulmões, notando que havia retorno de sangue para o lado esquerdo do coração, bem como relatou que dentro das artérias se corria o sangue e não o ar como se pensava. Entre os erros de Galeno, foi continuar acreditando que o fígado não apenas fabricava o sangue do corpo, como também o bombeava para o resto do corpo.

No século XVI, o médico espanhol Miguel Servet não só aceitou a descoberta do trânsito sanguíneo feita por Galeno, como confirmou sua existência evidenciando que a artéria pulmonar era grande demais para levar sangue apenas para nutrir os pulmões, fazendo-o crer que ela levaria todo sangue do corpo para os pulmões. Devido a sua posição herege sobre a natureza da Santíssima Trindade e o significado do batismo, foi queimado na fogueira em outubro de 1553, nove meses depois de seu manuscrito ter sido publicado.

Em 1559, através do livro De re antomica, o famoso anatomista Realdo Colombo fez mais que confirmar a circulação pulmonar do sangue, ele relatou, através da dissecção em animais vivos, a existência de válvulas nos quatro vasos que entram e saem dos ventrículos esquerdo e direito do coração e que elas permitiam o fluxo de sangue em apenas uma direção: do ventrículo direito para os pulmões, de volta para o ventrículo esquerdo, e daí para a aorta.

Colombo foi responsável por descrever corretamente a fase de contração dos ventrículos cardíacos (isto é, a sístole) e a fase de relaxamento (a diástole). Antes dele, os movimentos de contração e relaxamento do coração haviam sido objeto de total confusão durante séculos. Por fim, e talvez o mais importante, ele descobriu que, ao contrário da opinião médica usual, a veia pulmonar que saía dos pulmões para se esvaziar no ventrículo esquerdo transportava não um pouco de ar, mas apenas sangue.

Andrea Cesalpino, um botânico anatomista de Pisa, publicou a sua obra em 1571. Já muito antes da publicação da mesma, ele já tinha conhecimento dos achados de Colombo sobre a pequena circulação do coração. Fez duas observações importantes: primeira, a obstrução temporária de uma veia no braço ou na perna se seguia a distensão da veia abaixo da obstrução; a segunda, foi que a veia cava, quando desemboca no átrio direito, tem diâmetro maior que ao sair do fígado, concluindo, erroneamente, que essa diferença era a prova de que a veia cava levava sangue do coração e não para o coração.

Muito tempo antes de Girolamo Fabrici, sucessor de Colombo em Pádua, publicar um livro descrevendo pela primeira vez as válvulas das veias humanas, ele as tinha observado e apontado a seus alunos de Medicina. Um dos alunos favoritos dele era o jovem inglês William Harvey, que acabara de completar 21 anos de idade.

Até onde se sabe, antes da descoberta de Harvey, nas primeiras décadas do século XVII, nenhum inglês havia feito uma descoberta médica significativa sobre a circulação do sangue no homem. Ele juntou suas observações às descobertas anteriores e deu origem a um conceito que durará para sempre.

Harvey se casou muito bem, uma vez que tomou como esposa Elizabeth Browne, cujo pai era médico da rainha Elizabeth. Com um sogro tão famoso, não demorou para que Harvey fosse aceito como membro do Colégio Real de Médicos, depois sendo médico do reis Jaime I e Carlos I. Ele poderia ter chegado a essas mesmas condições ainda que não tivesse se casado com a filha do dr. Browne. A proximidade com pessoas tão importantes, facilitou a divulgação de seus trabalhos.

Alguns relatos de Harvey em sua obra De motu cordis:

  • os átrios se contraem antes dos ventrículos;
  • descreveu a dinâmica da circulação pulmonar;
  • relatou a possibilidade do movimento "circular" do sangue no nosso corpo;

O primeiro, e brilhante, experimento de Harvey que levou ao conceito de circulação foi medir o sangue do ventrículo esquerdo do coração de um cachorro. Multiplicando essa quantidade aproximada pelo número de pulsações por minuto, calculou assim que o ventrículo esquerdo ejetaria cerca de um quilo e meio de sangue em apenas meia hora, quantidade quase equivalente ao volume total de sangue do animal.

Harvey então, pergunta de onde estaria vindo todo o sangue que deixa o ventrículo esquerdo. Não podia ser de alimentos e de bebidas ingeridos. Como podiam a aorta e suas artérias aceitar uma quantidade de sangue imensa como aquela senão se livrando rapidamente da maior parte do sangue que recebiam? A única resposta lógica era que o sangue ejetado pelo coração para a aorta e para as artérias retornava, via veias, para o coração, completando assim o precioso "ciclo de Harvey".



Fonte: Friedman, M.; Friendland, G. W. As dez maiores descobertas da Medicina. São Paulo, Companhia do bolso, 1998.

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